Sai, Câncer
Desaparece, parte, sai do mundo
Volta à galáxia onde fermentam
Os íncubos da vida, de que és
A forma inversa. Vai, foge do mundo
Monstruosa tarântula, hediondo
Caranguejo incolor, fétida anêmona
Carnívora! Sai, Câncer.
Furbo anão de unhas sujas e roídas
Monstrengo sub-reptício, glabro homúnculo
Que empestas as brancas madrugadas
Com teu suave mau cheiro de necrose
Enquanto largas sob as portas
Teus sebentos volantes genocidas
Sai, get out, va-t-en, henaus
Tu e tua capa de matéria plástica
Tu e tuas galochas
Tu e tua gravata carcomida
E torna, abjeto, ao Trópico
Cujo nome roubaste. Deixa os homens em sossego
Odioso mascate; fecha o zíper
De tua gorda pasta que amontoa
Caranguejos, baratas, sapos, lesmas
Movendo-se em seu visgo, em meio a amostras
De óleo, graxas, corantes, germicidas,
Sai, Câncer
Fecha a tenaz e diz adeus à Terra
Em saudação fascista; galga, aranha,
Contra o teu próprio fio
E vai morrer de tua própria síntese
Na poeira atômica que se acumula na cúpula do mundo.
Adeus
Grumo louco, multiplicador incalculável, tu
De quem nenhum Cérebro Eletrônico poderá jamais seguir a matemática.
Parte, poneta ahuera, andate via
Glauco espectro, gosmento camelô
Da morte anterior à eternidade.
Não és mais forte do que o homem rua!
Grasso e gomalinado camelô, que prescreves
A dívida humana sem aviso prévio, ignóbil
Meirinho, Câncer, vil tristeza...
Amada, fecha a porta, corta os fios,
Não preste nunca ouvidos ao que o mercador contar!
II
Cordis sinistra
Ora pro nobis
Tabis dorsalis
Ora pro nobis
Marasmus phthisis
Ora pro nobis
Delirium tremens
Ora pro nobis
Fluxus cruentum
Ora pro nobis
Apoplexia parva
Ora pro nobis
Lues venérea
Ora pro nobis
Entesia tetanus
Ora pro nobis
Saltus viti
Ora pro nobis
Astralis sideratus
Ora pro nobis
Morbus attonitus
Ora pro nobis
Mama universalis
Ora pro nobis
Cholera morbus
Ora pro nobis
Vomitus cruentus
Ora pro nobis
Empresma carditis
Ora pro nobis
Fellis suffusio
Ora pro nobis
Phallorrhoea virulenta
Ora pro nobis
Gutta serena
Ora pro nobis
Angina canina
Ora pro nobis
Lepra leontina
Ora pro nobis
Lupus vorax
Ora pro nobis
Tônus trismus
Ora pro nobis
Angina pectoria
Ora pro nobis
Et libera nobis omnia Câncer
Amém.
III
Há 1 célula em mim que quer respirar e não pode
Há 2 células em mim que querem respirar e não podem
Há 4 células em mim que querem respirar e não podem
Há 16 células em mim que querem respirar e não podem
Há 256 células em mim que quer respirar e não podem
Há 65.536 células em mim que querem respirar e não podem
Há 4.294.967.296 células em mim que quer respirar e não podem
Há 18.446.744.073.709.551.616 células em mim que querem respirar e não podem
Há 340.282.366.920.938.463.374.607.431.768.211.456 células em mim que querem respirar e não podem.
IV
Minha senhora, lamento muito, mas é meu dever informá-la de que seu marido é portador de um tumor maligno no fígado...
Meu caro senhor, tenho que comunicar-lhe que sua esposa terá que operar-se de uma neoplastia do útero...
É, infelizmente a biopsia revela um osteo-sarcoma no menino. É impossível prever...
É a dura realidade, meu amigo. Sua mãe...
Seu pai ainda é um homem forte, vai agüentar bem a intervenção...
Sua avó está muito velhinha, mas nós faremos o possível...
Veja você... E é cancerologista...
Coitado, não tinha onde cair morto. E logo câncer...
Há muito operário que morre de câncer. Mas câncer de pobre não tem vez...
Era nosso melhor piloto. Mas o câncer de intestino não perdoa...
Qual o que, meu caro, não se assuste prematuramente. Câncer não dá em deputado...
Parece que o General está com câncer...
Tão boa atriz... E depois, tão linda...
Que coisa! O Governador parecia tão bem disposto...
Se for câncer, o Presidente não termina o mandato...
Não me diga? O Rei...
Mentira... O Papa?...
E atenção para a última notícia. Estamos ligados com a Interplat 666...
DEUS ESTÁ COM CÂNCER.