Meu ofício é vir de longe
Chegar tarde, sem tostão
Trabalhar sem fazer força
Ir-me embora sem razão
Vem pensar o meu caminho
Joga encargos onde eu for
Que eu prefiro andar sozinho
Que criar um falso amor
Eu gosto muito de moça
Porém sem misturação
Dez pra ter perto dos olhos
E uma só junto da mão
Queira Deus que ele me desse
Como gratificação
Uma terra brasileira
Pra eu plantar meu coração
Falado
Eu saí cedo de casa. O pai mandava brasa sem parar, e as crianças nasciam, cresciam e morriam, tudo ao mesmo tempo. Saí e fui andando. Às vezes pegava um leito, um mutirão, mas não era o que meu coração pedia. Meu coração pedia sombra, água fresca e colo de moça bonita. Um dia, eu estava tão esmulambado que um cara, sei lá, devia ser louco, meteu a mão no bolso e me passou um Deodoro. Rapaz! Eu não sei como minha mão foi caminhando pra frente, sem me pedir licença.Foi, e de repente ficou assim, parada no ar, de palma pra cima, numa aceitação tão linda que cheguei a ficar com lágrimas nos olhos. Intentei bem naquela mão, naquele gesto, sentindo que ele dava tudo o que eu queria da vida. E foi aí que comecei a trabalhar de mendigo. Verdade que levantei uma "ervinha fofa". Não sei como eu agradava. Isto é, eu sei: por causa do meu modo de pedir, de minha bossa de esmolar, para tornar o doador responsável pela esmola que dava. Aí, veio a mania de viagens, eu me engajava em qualquer navio e partia. Assim, corri o mundo e aprendi a mendigar em muitas línguas. Fui mendigo em Singapura, em Túnis, no Cairo, em Adis Abeba, e por aí. Mas aí deu a saudade do tutu com torresmo, da galinha ao molho pardo, da empadinha de camarão, e eu me mandei de volta. Vim ser um mendigo inserido no meu contexto. Vim ser um mendigo subdesenvolvido, ou melhor, em fase de desenvolvimento, como querem os economistas, e estou contente.