Desatino
De: Luciano Alves
Grande é minha dor
Minha inocência
Atado e amordaçado como um cão raivoso
Torturado por tentar manter minha decência
Amaldiçoado por acreditar numa verdade menos mórbida
Igualmente sórdida
Como dois e dois são quatro
Eles não lhe pedem licença
Nem se importam se as suas leis lhe agradam
Você compreende tudo
Rangendo os dentes, impotente e calado
Mesmo que seja evidente e claro
Que só você não esteja paralisado
Isso tudo é tão medieval
Ridículo, sanguinário, hilário e tão normal
Que somente o meu silêncio posso oferecer
Dou a minha verdade a um mendigo
E aos senhores com os seus belos sorrisos o meu desatino
Sou o que sou, um camundongo, um traste
Isso tudo é tão medieval
Ridículo, sanguinário, hilário e tão normal
Que somente o meu silêncio posso oferecer
Dou a minha verdade a um mendigo
E aos senhores com os seus belos sorrisos o meu desatino
Sou o que sou, um camundongo, um traste
Não me arrependo disso
(Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade
Estou hoje lúcido, como se estivesse pra morrer...
Estou hoje perplexo, como quem achou e pensou e esqueceu...
Fiz de mim o que não soube
E o que podia fazer de mim não o fiz...
Não sou nada, nunca serei nada
Não posso querer ser nada
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo) (*)
*Extraído do poema A Tabacaria de Fernando Pessoa